A INSEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL ATINGE MAIS OS NEGROS

Professora da UFT ressalta a necessidade de políticas públicas direcionadas e esforços coordenados para romper o problema da fome nos quilombos

Por Catarina Ingridy Pereira

Estagiária do Nujor

A insegurança alimentar no Brasil apresenta disparidades significativas, especialmente relacionadas à cor e à localidade. Segundo a Pesquisa da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, 65% dos lares liderados por pessoas pretas ou pardas enfrentam restrição de alimentos.

Nas áreas rurais, mais de 60% dos domicílios enfrentam insegurança alimentar, sendo que 18,6% vivem em situação de fome. Mesmo aqueles que produzem alimentos, como agricultores familiares, não estão imunes, com a fome atingindo 21,8% de seus lares.

No estado do Tocantins, a situação é também preocupante, com 1,48 milhão de habitantes (65,2% da população) enfrentando algum nível de insegurança alimentar. Entre as vítimas mais vulneráveis estão cerca de 130 mil crianças com menos de 10 anos vivendo em situação de fome, de acordo com dados da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional.

A urgência de ações efetivas para combater essa insegurança alimentar é evidente, ressaltando a necessidade de políticas públicas direcionadas e esforços coordenados, é o que comprova Ana Lúcia Pereira, pesquisadora e professora na Universidade Federal do Tocantins (UFT) e coordenadora do Núcleo de Extensão e Pesquisa “Igualdade Étnico-Racial e Educação” (IERE/UFT).

As pesquisas da professora se concentram na população negra, com enfoque em temas como educação, promoção da igualdade racial, segurança alimentar e nutricional, cultura e direitos humanos.

Autora do livro “Famílias Quilombolas: história, resistência e luta contra a vulnerabilidade social, insegurança alimentar e nutricional na Comunidade Mumbuca – Estado do Tocantins”, Ana Lúcia Pereira destaca a vulnerabilidade social e insegurança alimentar na Comunidade Mumbuca, ressaltando o conflito com o Estado e a mobilização estratégica para preservar sua identidade e ambiente natural.

[…]Trata-se de uma comunidade que está em conflito com o Estado e estrategicamente se mobiliza para atualizar o seu espaço físico, a sua cultura e sua organização social. Uma comunidade que se encontra em situação de vulnerabilidade social e insegurança alimentar e nutricional, porque afirma publicamente a sua identidade como comunidade que interage no plano social, político e econômico sem perder de vista o seu ambiente natural.” p. 23

O livro sobre segurança alimentar nos quilombos foi motivado pelo interesse da autora em discutir o direito humano à alimentação adequada, terra e território. A comunidade quilombola de Mumbuca no Tocantins, é representante do mais importante símbolo cultural do Estado, que é o capim dourado.

A falta de posse da terra impacta a insegurança alimentar dessas comunidades, “evidencia a interligação entre o direito à terra e à alimentação. A conscientização sobre a situação das comunidades quilombolas destaca a vulnerabilidade alimentar sem a garantia desses direitos fundamentais”, explica.

A autora enfatiza que a situação das comunidades quilombolas, o direito à alimentação estará sempre ameaçado, enquanto essas pessoas não tiverem o direito à terra e ao território, “esse direito vai estar sempre ameaçado”, alerta a autora.

Mulher Negra na academia

Ana Lúcia Pereira foi a primeira mulher negra pró-reitora da UFT, ela vê as políticas afirmativas da universidade com um misto de celebração e tristeza. A falta de representação proporcional nos órgãos de gestão da universidade para a diversidade racial é um ponto de preocupação.

“Porque se nós temos um país em que a diversidade é presente, se nós temos um Estado onde 72% da população é preta e parda, nós deveríamos ter essa representação também nos órgãos de gestão da Universidade”, exemplifica.

Apesar das políticas de cotas existirem desde 2013, a aprovação recente da política afirmativa em maio de 2023 e a ausência de uma política de enfrentamento ao racismo revelam a necessidade de avanços para garantir a eficácia dessas medidas na Universidade.

“Nós temos política de cotas que é um mecanismo das políticas de ações afirmativas, desde 2013 na UFT. Mas a política afirmativa ela só foi aprovada agora em maio de 2023, ou seja, 20 anos depois, e também, a gente ainda não tem a política de enfrentamento ao racismo, porque à medida que esses alunos pretos, pardos e indígenas, começam a conviver no espaço universitário, que sempre foi protagonizado por pessoas brancas, existe um conflito que é abafado, é oculto e que a Universidade ainda não se prontificou a trabalhar de forma adequada essas questões, então acredito que a gente precisa avançar nesse ponto”..

Coordenadora do Núcleo de Pesquisa e Extensão de Igualdade Étnico-Racial e Educação (IERÊ) da Universidade Federal do Tocantins, Ana Lúcia expressa total apoio às políticas de ação afirmativa.

O Núcleo, presente na Universidade há 10 anos, visa debater a presença do negro na universidade e desenvolver pesquisas sobre questões étnico-raciais e quilombolas. A falta de discussão sobre autores negros e a ausência de uma política de enfrentamento ao racismo na universidade indicam a necessidade de um compromisso mais robusto com a diversidade e a equidade racial.

“Nós acreditamos que é extremamente importante discutir a presença e também as pessoas pretas/pardas, valorizarem a diversidade do próprio estado do Tocantins, fazer um enfrentamento ao racismo, ao preconceito, à discriminação racial, pensar na Universidade a questão do epistemicídio”, pondera.

Ela enfatiza a ausência de discussões de autores negros, “sobre o pensar negro, o ser negro e também o pensar o que vem a ser a Amazônia Negra, porque nós temos um discurso que estamos nessa região amazônica, mas não pensamos quem são as comunidades que representam a Amazônia Negra, que é um movimento que está surgindo, o movimento Amazônia Negra”, finaliza.

Revisão: Prof. Dra. Maria de Fátima Albuquerque Caracristi

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